31 de dez. de 2013

SMUKKE MENNESKER (Nothing's All Bad), dir. Mikkel Munch-Fals, 2010

Smukke Mennesker
dir. Mikkel Munch-Fals
Ano: 2010
Dinamarca
Cast: Henrik Prip, Bodil Jørgensen, Mille Lehfeldt, Sebastian Jessen

Mais um interessante drama escandinavo, principalmente se assistido do ponto de vista de um sulamericano. No sul, nosso hedonismo cultural obsta a rigidez necessária à boa administração dos recursos e boa parte de nossas tragédias encontra no obstáculo da má administração material sua fonte. Já no norte, sem adentrar o mérito histórico da suposta "prosperidade econômica" branca, a razoável funcionalidade ou distribuição dos recursos para viver esvazia justamente a parte lúdico-erótica humana. Na maior parte do tempo, os nórdicos funcionam no ritmo da matéria, das relações econômicas, e no intervalo desse sistema mecânico, ao fim do expediente, a vida não retorna ao estado natural, tornou-se muito pouco resiliente. Fora do horário funcional, ao menos é o que nos mostra seus melhores diretores, eles continuam funcionando no mesmo ritmo não biológico. Quando são chamados por apelos naturais, tal como a libido, os encontros se aproximam da relação contratual contábil, na qual prevalecem relações exóticas ao biológico. Neste caso, são relações de dominação onde há sempre um senhor (sujeito), um escravo (objeto) e uma prestação de serviço, há sempre um cálculo resfriando a chama do chamado de eros, que exige imprevistos e reciprocidade. Nas relações esvaziadas, tudo ganha ares de repartição do tipo custo-benefício, lucro, prejuízo etc.
Ora, neste filme assistimos a uma espécie de redenção de um quadro desumanizado por excesso de funcionalidade. Justamente o que consideramos desvio ao bom funcionamento social é que re-humaniza e re-liga sujeitos que se esbarravam como engrenagens frias. Só como exemplo, para não estragar a surpresa do enredo, cito o caso da moça mutilada com a perda do seio. Ela, em dúvida a respeito de seu sex-appeal, se aquece numa relação estigmatizada justamente pela frieza. É numa relação com um prostituto jovem durante a gravação de uma cena para um filme pornô que os dois se re-humanizam. Não fossem seus "desvios" permaneceriam no trilho árido da insossa vida das engrenagens previsíveis e mortificantes. A ironia do título original se sobressai agora: Smukke Mennesker, que significa Belas Pessoas, denota forte insinuação de que os desviantes estão mais perto de eros do que os que obedecem às convenções de um cotidiano mecanizado, que é da ordem de Tanatos.
Não é um filme imprescindível, mas recomendo sim.

Trailer:


Download via torrent:
http://thepiratebay.se/torrent/6147566/Smukke_mennesker_[Dansk_drama__2010]

7 comentários:

  1. Pra quem não é adepto das análises, temos aqui uma bela e certeira acerca do filme hein rs!!
    Você tem toda razão " os desviantes" estão mais próximos de Eros, sem dúvida e isso é muito bem apresentado neste filme, né??

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  2. Pra quem não é adepto das análises, temos aqui uma bela e certeira acerca do filme hein rs!!
    Você tem toda razão " os desviantes" estão mais próximos de Eros, sem dúvida e isso é muito bem apresentado neste filme, né??

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    1. Desde que não tenha pretensão de verdade, é uma ferramenta de comunicação, sem privilégio algum sobre a obra. Se começar achar que é crítico, que "sabe o que está dizendo", "conheço do assunto etc etc".. xxiiii pode saber que é fraude!!

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  3. bom filme. também gostei do seu comentário...
    vou deixar duas palavras aqui.
    da maneira que eu entendo, "a parte lúdico-erótica humana" parece mais definida/fixada de certa(s) maneira(s) do que "esvaziada".
    outra coisa: sempre que se fala em amor e jogo - e por que não também em ilusão ('ludus' parece estar na palavra 'ilusão' também) - eu me pergunto se um certo 'brave new world' (uma vida atrofiada, não sei bem em quais sentidos) não é igualmente possível com "a dimensão lúdico-erótica" desatrofiada.
    por último, que tipo de "dimensão lúdico-erótica" é "A dimensão lúdico-erótica HUMANA"? A que a gente conhece ou a que certa pessoa tem necessidade, sente falta, promete? É menos humano quem, de algum modo, está fora de "a dimensão lúdico-erótica"?

    Cara, tem um filme mais ou menos no estilo dos que você vem colocando aqui (lembra esse e o incomodado): 'songs from the second floor'. conhece? sugiro.

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    1. Obrigado Diego, tudo muito bem colocado. Escolhi a palavra esvaziada porque na época que comentei o filme havia assistido um documentário sobre a reinserção dos felinos na natureza. Neste doc. eles testam a reação do felino pra saber se ele vai sobreviver de volta na natureza. Muitos, no tempo de cativeiro, perdem a personalidade e não conseguem mais demarcar território, lutar, procriar etc. e o olho parece baço, perdido, tal como o olho humano ao perder o líquido vítreo, por isso gostei dessa imagem do esvaziamento para algo que vive, mas vive sem fogo.
      De um modo bem rudimentar, só pra ilustrar essa dimensão citada, que demarca a diferença cultural entre nós e o europeu: um porteiro em Salvador, depois de receber todo treinamento de segurança desenvolvido nos EUA ainda assim vai abrir a porta pra uma gostosa que lhe jogar charme, postura que seria mais rara na Dinamarca, por exemplo. Em compensação, o europeu vai exigir uma funcionalidade mecânica de todos: chegar no horário, cumprir todas as horas trabalhadas etc., e vai criar um espaço mais previsível, mais funcional ao mesmo tempo que mais chato. O ganho em previsibilidade e segurança é acompanhado de tédio. Mais ou menos isso...

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  4. Ah, songs... já me recomendaram... assistirei hoje mesmo.. muito bem lembrado. Valeu Diego, abraço!

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